O conceito de pegada ecológica refere-se à quantidade de terra e água – terras de cultivo, pastagens, florestas, áreas de pesca – medida em hectares globais (gha), que é necessária para sustentar as gerações atuais, tendo em conta todos os recursos materiais e energéticos consumidos por uma determinada população. De forma muito simples, é a área de que um cidadão precisa para produzir o que consome e capaz de absorver o lixo que produz.
Assim, a pegada ecológica permite estimar o impacto das atividades de consumo do ser humano nos recursos naturais do planeta, ou seja, compara os recursos naturais utilizados para suportar os modelos de consumo de um determinado estilo de vida com a capacidade dos ecossistemas para regenerar esses recursos (biocapacidade – também medida em hectares globais por pessoa).
A dimensão da pegada ecológica é quase sempre associada à emissão de dióxido de carbono originada pelos transportes, contudo, a alimentação é o principal agente causador das pegadas excessivas de alguns municípios portugueses, conforme um estudo de 2018 sugere.
O Projeto Pegada Ecológica dos Municípios Portugueses resultou de uma parceria entre a ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável, a Global Footprint Network (GFN), a Universidade de Aveiro e seis municípios que integram o projeto: Almada, Bragança, Castelo Branco, Guimarães, Lagoa e Vila Nova de Gaia. Este projecto tem como principal objectivo calcular a biocapacidade destes municípios, tendo em conta a pegada ecológica dos mesmos. Este estudo baseou-se em dados de 2011 a 2016.
O referido estudo demonstrou que estes municípios e, em geral, Portugal, são sempre “devedores da Natureza”, uma vez que os Portugueses consomem mais recursos do que aqueles que estão disponíveis, ou seja, a pegada ecológica por residente é sempre superior à biocapacidade média por pessoa. Isto demonstra que se toda a população portuguesa consumisse ao mesmo nível de cada residente de cada um destes 6 municípios, seriam necessários 2,3 planetas Terra por habitante, em média, como podemos, aliás, ver na ilustração seguinte.
Os resultados demonstram que os municípios com maior população são os que mais impacto têm no total da Pegada Ecológica de Portugal: Vila Nova de Gaia, Almada e Guimarães. Já os municípios de Castelo Branco e de Bragança são os que mais contribuem para o total da biocapacidade portuguesa: 0,9% no caso de Castelo Branco e 0,7% no caso de Bragança. Estes dados reflectem-se sobretudo pela maior dimensão destes territórios relativamente aos restantes em análise.
Em 2016, a pegada ecológica do município de Lagoa representa o menor valor per capita, ou seja, em média, cada residente de Lagoa precisou de 3,25 hectares globais (gha) de área produtiva para suportar o seu consumo e estilo de vida, 17% abaixo da média nacional. Já o município de Almada alcançou o maior valor per capita de Pegada Ecológica, com 4,08 gha, 4% mais elevada do que a média nacional de 3,96 gha.
Quanto à biocapacidade per capita, os municípios de Vila Nova de Gaia e Guimarães representaram o valor menos elevado, respectivamente, 0,17 gha por pessoa (85% abaixo da média nacional) e 0,19 gha. Os municípios de Bragança e Castelo Branco representam valores positivos, com 2,68 gha e 2,31 gha, respectivamente. A biocapacidade per capita de um português corresponde a 1.28 gha.
Portanto, podemos concluir que o saldo entre a Pegada Ecológica e a biocapacidade é sempre devedor em todos os municípios. Estes resultados são semelhantes também à escala mundial: 130 países encontram-se em défice ecológico, inclusive Portugal, de acordo com o Relatório Planeta Vivo da WWF em colaboração com a Zoological Society of London e a Global Footprint Network
É, por isso, fulcral fazer face aos desafios locais para inverter lógicas de consumo prejudiciais ao ambiente.
A Pegada da Alimentação
O consumo de produtos alimentares é responsável pela maior fatia da Pegada Ecológica, seguido do setor dos transportes. Entre os países da região Mediterrânica, um estudo da GFN (Global Footprint Network) demonstra que Portugal é o país com maior Pegada Ecológica per capita ao nível da Alimentação.
A produção de alimentos de origem animal é responsável por um uso superior de recursos e emissões de gases de efeito de estufa, quando comparados com a de alimentos de origem vegetal. De entre os vários alimentos, o chocolate, a carne (sobretudo a vermelha) e os lacticínios são os que requerem mais água para a sua produção e emitem mais gases de efeito de estufa.
Ao nível dos sectores de actividade relacionados com as indústrias transformadoras, a electricidade, o gás, o vapor e, por último, a agricultura, a produção animal, a caça, a floresta e a pesca são os sectores que potenciam mais o efeito de estufa, como demonstrado no gráfico em baixo.
Podemos concluir assim, que o consumo de carne (que varia entre 23% e 28% nos municípios) e de peixe e outro pescado (26%, aproximadamente) é o grande responsável pela elevada Pegada Ecológica da alimentação. O consumo de proteína animal corresponde assim a mais de metade da Pegada da Alimentação.
Há que salientar também que Portugal é o país europeu que mais peixe consome, de acordo com um estudo feito em 2018, sobretudo no que diz respeito ao consumo de bacalhau, atum e salmão.
Conseguimos então afirmar seguramente que Portugal é o país da região mediterrânica cuja alimentação mais danos causa ao planeta e aos ecossistemas, como podemos ver no seguinte gráfico, sobretudo no que diz respeito ao consumo de peixe.
A dieta mediterrânica é caracterizada sobretudo pelo consumo de produtos como vegetais, cereais e azeite e pelo consumo moderado de carne ou de peixe, e poderá até ter um impacto moderado sobre o ambiente. No entanto, estamos claramente a afastar-nos deste padrão alimentar.
A população global está a crescer e, simultaneamente, cresce a necessidade de produzir alimento, especialmente porque o poder de compra tem aumentado. Isto significa que a pressão sobre o nosso planeta para fornecer água, espaço, nutrientes e um clima ideal para produzir comida é cada vez maior.
É por isso preciso um forte envolvimento da sociedade civil na potencialização e promoção de novas práticas alimentares que sejam mais sustentáveis. Há que reduzir o desperdício alimentar, promover uma alteração na dieta alimentar e fortalecer o consumo de produtos locais e biológicos, de forma a que se possa reduzir os impactos ambientais para garantir o equilíbrio dos ecossistemas.
Como resolver então este problema?
Uma das soluções passa, claramente, pela adopção de uma dieta vegetariana ou vegana. Um estudo da Universidade de Oxford, no Reino Unido, demonstra que excluir a carne da nossa alimentação poderia reduzir para metade a emissão de gases com efeito de estufa.
A equipa de investigadores comparou a diferença nas emissões de CO2 de cerca de 55 mil consumidores. Na amostra estavam incluídos vegetarianos, veganos, pessoas que comem só peixe e também aqueles que não fazem qualquer tipo de restrições na sua dieta – e, dentro desse patamar, foram comparadas as quantidades de carne ingeridas por cada um. As conclusões deste estudo mostram que os consumidores de carne produzem 7,3 kg de CO2 por dia e que quem se alimenta só de peixe gera cerca de 3,9 kg de CO2. A diferença é mais significativa quando comparada com quem cortou radicalmente a carne da alimentação: os vegetarianos produzem cerca de 3,8 kg de CO2, e quem segue um estilo de vida vegano, 2,9kg.
São já muitas as alternativas criadas para diminuir o impacto ambiental consequente do aumento da procura e do consumo de carne, porém, são tentativas que ainda falham, especialmente quando comparadas com a eficiência de uma dieta de base vegetal.
Além disso, os números falam por si: ao invés de produzirmos 115 kg de carne de vaca, poderíamos usar os mesmos recursos para produzir 20,000 kg de tomate, 24,000 kg de batata ou 13,000 kg de cenouras. Se uma pessoa fizesse uma dieta baseada no consumo de plantas, poderia poupar cerca de 615 000 L de água por ano, reduzindo a sua pegada ecológica individual em cerca de metade.
Ainda um outro estudo, realizado em 2016, comparou 10 dietas distintas e permitiu concluir que, tendo em conta a utilização do espaço disponível para maximizar o número de pessoas alimentadas em cada tipo de dieta, as mais eficientes na utilização do espaço serão a dieta lactovegetariana, seguida pela ovolactovegetariana, seguida por uma dieta omnívora com baixo consumo de carne (20-40%) e, finalmente, pela dieta vegan, como poderemos ver no gráfico seguinte:
É claro aquilo que os estudos comprovam: os impactos negativos do consumo regular de carne e de peixe e a consequente necessidade de uma mudança. São já muitos os apelos por parte de organizações ambientalistas no sentido de substituirmos o consumo de carne e peixe pelo consumo de alimentos vegetais. A própria Organização das Nações Unidas tem produzido inúmeros relatórios alertando para isto. No relatório “Avaliando os Impactos Ambientais de Consumo e Produção”, encorajam a uma “mudança substancial da dieta mundial, no sentido de abandonar progressivamente produtos de origem animal e reforçar o consumo de alimentos de origem vegetal”, de forma a mitigar as alterações climáticas e os seus efeitos.
Alterar os hábitos alimentares através de uma dieta vegetariana ou vegana não só é benéfico para o ambiente, mas também para a saúde e para os animais (os mais vulneráveis e aqueles que não têm qualquer voz para se defenderem). E, ao contrário do que muitos poderão pensar, seguir uma dieta vegetariana pode ser mais barato – para a carteira e para o ambiente.
Conclusão
No caso de Portugal, estamos a consumir muito para além da sua biocapacidade para satisfazer as supostas necessidades dos habitantes. A pegada ecológica portuguesa é de 4,5 hectares por pessoa, contudo, o país apenas tem 1,3 hectares produtivos per capita.
As consequências da nossa imponderação ao utilizarmos irresponsavelmente os recursos planetários são visíveis: a erosão do solo é cada vez maior, a desertificação tem aumentado, a água tem vindo a escassear, os oceanos estão cada vez mais poluídos e o efeito de estufa agrava-se a cada segundo.
Já os benefícios de uma dieta vegetariana ainda mais visíveis são: conseguiremos racionalizar os recursos naturais na obtenção de alimento e na preservação da vida animal, e poderemos garantir um futuro para as gerações seguintes.
Os números não deixam margem para dúvidas. O nosso modelo de consumo e padrões de vida modernos estão a exigir mais do que aquilo que o planeta Terra nos pode dar, pelo que temos de os repensar e encontrar um ponto de equilíbrio. É então crucial que comecemos a saldar esta dívida para com o planeta e ambiente, começando nos nossos pratos.
Artigo da autoria da Flávia Pereira.